Queridos amigos, amigas, amigues, leitoras e leitores:
Neste ano terrível que se encerra, penso que ecoo a voz de milhões de pessoas espalhadas pelo planeta ao dizer: já vai tarde!
2020 não foi fácil. É certo que entrará para a história da humanidade como, no mínimo, um ano que se coloca como um divisor de águas. Se tomarmos 2020 como baliza, temos, por certo, um “antes” e um “depois”. Olhando para trás, para antes de 2020, o anjo da História só consegue ver um “amontoado de ruínas”. Nossa realidade, soerguida sobre um terreno de mazelas, nas quais ainda se somam exploração, miséria, violência, desastres, golpes, contragolpes, desrespeitos, obscurantismo e mentiras – para se dizer o mínimo – não encontraria outro destino possível a não ser a ruína, materializada de forma brutal neste ano que se encerra.
Cada um de nós, à sua maneira, experimentou o desespero de uma pandemia incontrolável, pois alimentada pelo que há de pior na face do planeta: a estupidez. Das menores, eu que fiquei entre a vida e a morte, abatida por um inimigo invisível, ouvi de um moço até gente boa, que veio consertar minha máquina de lavar, que se eu tivesse “comido sementes de mamão”, não teria pegado Covid. Afinal, um médico muito seu amigo, que estava a receitar lombrigueiros para combater o novo coronavírus, lhe havia indicado este remédio natural, pois substitutivo do fármaco alopático. Ora vejam, podia-se, inclusive, comer o mamão, para ajudar na ação das sementes!
Quanto aos desgovernos deste país, abençoado por Deus e bonito por natureza, me recuso. Não falo. Até porque não precisa. Como divisor de águas, 2020 divide também as pessoas e no caso do Brasil, penso que também separa o joio do trigo. Por isso mesmo, gosto de pensar que estou do lado daquela parcela da sociedade planetária que contribuirá, inclusive geneticamente, para a evolução da espécie, nos levando para um novo depois.
Sendo 2020 um divisor, espero, honestamente, que ele encerre um longo período de transição que, dialeticamente, veio gerando novas relações sociais. É meu sincero desejo que a partir daqui possamos vivenciar a superação das nossas diferenças e a criação de um mundo, no qual a humanidade redimida reconheça a irmandade entre cada um dos seres que a compõe.
Por óbvio, este sonho não é apenas meu. E não só de John Lenon, Mahatma Gandhi ou Luther King. Também aqui ecoo a síntese última de ensinamentos consubstanciados em todos os registros religiosos que ensinam, ser o AMOR a força mais poderosa do universo. Somos todos irmãos, filhos da grande mãe terra, que nos abriga e nos acolhe, na vastidão do universo.
Sempre que penso na nossa irmandade, eu me lembro do “Teia”, um sujeito que eu conheci lá na Serra do Salitre. Era um fim de noite, num buteco de cidade pequena, quando o camarada se sentou do meu lado, querendo me convencer a namorar com ele. Sério. De mão pega e tudo! E eu, que tinha de besta o que eu tinha de bonita [sim, eu era mais linda do sou hoje], tentei explicar educada e filosoficamente que pertencíamos a mundos diferentes e, que, portanto, nossa relação estaria fadada ao fracasso. E o Teia, mais proletário que o mais orgânico dos intelectuais gramscinianos, juntou a mão na minha coxa, olhou bem nos meus olhos e vaticinou: “Deixa de ser besta, sá! Nóis é os mesmo!”
Então, é isso o que desejo para todos e todas neste 2021. Que, a partir daqui, possamos nos enxergar e nos respeitar como IRMÃOS. E como IRMÃOS e IRMÃS, possamos seguir os ensinamentos do grande filósofo Teia que, no final das contas, ecoava sem o saber os pilares de uma sociedade igualitária, justa e fraterna, norteada por ensinamentos genuinamente cristãos, budistas, islâmicos, de matriz africana. Mas, também, uma sociedade idealizada por um jovem filósofo judeu que em 1844 disse dela: “É a resolução definitiva do antagonismo entre o homem e a natureza, e entre o homem e seu semelhante. É a verdadeira solução do conflito entre existência e essência, entre objetificação e autoafirmação, entre liberdade e necessidade, entre indivíduo e espécie. É a resposta ao enigma da História.” Este jovem filósofo bem poderia ter sido o Teia. Mas era o Marx, mesmo.
Que 2021 possa ser o início deste novo mundo!
Um grande beijo.
R.M. Ferreira
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